3.5.13

Alienação do humano!


Quero falar com vocês, hoje, sobre um adoecimento que tem acometidos muitos na Igreja do Senhor e fora dela também. A  alienação da nossa humanidade.
 Na Psicologia, em Gestalt Terapia, entendemos que uma patologia, instala-se ao longo de todo um processo de alienação. E nesse sentido, alienação significa: inibição do self em formação, da criatividade, do que é organísmico, e intrínseco do ser; das disposições naturais, peculiares a cada indivíduo. Alienação é o empobrecimento da existência e da espontaneidade, é o que se pode chamar de "contato"  pobre, perdido, inexistente (RIBEIRO,1997). A alienação é gradual e alguns instrumentos facilitam esse processo: mídias, redes sociais; relacionamentos tóxicos; consumismos, trabalho; e a religião em todas as suas variantes.
Aliena-se necessidades, sensações, desejos, espírito, alma, corpo e quando se percebe, eis um tempo perdido, eis aí uma patologia.
 Neste post quero falar da alienação do humano, na religião, na Igreja. Muitas vezes indaguei ao Senhor, perguntando o porquê de perceber no seio da Igreja tantas pessoas deprimidas, feridas de alma e em negação profunda de suas necessidades legítimas, por causa da "religiosidade". Como já compartilhei no post "Reconstruindo as ruínas", tive depressão há 9 anos atrás e só fui admiti-la quando já estava de cama, limítrofe, pois eu cria que só Deus poderia intervir, não precisava buscar ajuda profissional, era o que eu pensava. Achava inconcebível estar deprimida sendo serva de Deus. Parece absurdo hoje, mas compartilho isso porque sei que tem pessoas que podem ainda pensar dessa forma.
Na época entendia que para valer para mim, tinha que ser por via espiritual. Ledo engano!
Essa experiência foi valiosa porque foi a partir dela que comecei a aceitar minha humanidade. Foi nesse processo que comecei me dar conta de que não deixava de ser espiritual, nem de confiar em Deus, por estar com depressão, pois isso acontece com pessoas. Aceitar minha humanidade foi um caminho para crescimentos, mudanças. Tive que sair da negação e assumir minhas necessidades, aceitando minha força e minha fraqueza.
Queridos, podemos ser ajudados por todos os recursos disponíveis, e às vezes até concomitantemente.
Os consultórios de Psicologia estão cheios de cristãos buscando ajuda para o seu sofrimento, e graças a Deus pelo despertar dessa consciência. Deus tem levantado profissionais de saúde mental para abençoar também a sua Igreja e muitos já conseguem reconhecer que isso vem de Deus. Uma das respostas que entendi nas minhas conversas com Deus, foi que infelizmente a Igreja tem espiritualizado coisas que não são espiritualizáveis, como a psiquê. É preciso olhar o humano como um TODO.
Claro, como cristã, serva do Senhor, sei que Deus é poderoso para curar as feridas da alma, para "fazer mais do que pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós", mas também, considero de extrema importância lidarmos com as doenças da alma, com um olhar Psicológico, humano e não apenas espiritual. Isso é dom de Deus, gente!
Um outro ponto que entendi, sobre tal demanda na Igreja do Senhor, é que prega-se que "temos que", que precisamos "fazer assim, ou assado", sermos isso, ou aquilo, darmos conta de inúmeras atividades da igreja para provarmos a nossa fé, caso contrário é porque estamos desviados. Que jugo pesado! Gente,  "o jugo do Senhor é suave, o seu fardo é leve". Ser um "super" tudo, adoece, porque somos simplesmente, humanos. Não podemos  esquecer de que há um contexto e uma história de vida, por trás de cada um de nós. Há uma estrutura psicológica, que deve ser considerada, bem como, compatibilidades e potencialidades. Gente, o super não "pode" sofrer, ele sublima tudo, nega tudo, tem que estar sempre bem... e fica muito mal por isso.
Quando vemos nos evangelhos a história de Jesus, percebo o quanto Ele aceitava sua humanidade. Ele amava e se deixava ser amado. Jesus era sensível, sentia... A Bíblia diz que Jesus chorou na morte de Lázaro, suou gotas de sangue, tamanho foi seu sofrimento antes da cruz. Também gostava de conviver e de celebrar. Seu primeiro milagre foi numa festa de casamento! Jesus descansava sem culpa, mesmo em meio a uma tempestade, e quando precisava estar só, fazia-o. Respeitava sua própria necessidade. Irava-se quando algo afrontava o coração do Pai, não negava sua indignação, era objetivo. Jesus priorizava seu relacionamento com o Pai em todo o tempo, pois tinha um objetivo central que o movia, contudo, jamais negou sua humanidade, embora fosse Deus e foi rejeitado por isso também, mas não cedeu às pressões, assumiu o ser gente por amor de nós.
Vivemos os resquícios da maldita Teologia da prosperidade. Não se pode ter tristeza, não se pode sentir, chorar, expressar, ter um dia com humor variante, não se pode falhar, reagir, querer, discordar porque isso é fraqueza, é pecado, e quando alguém ousa dizer que não está bem, a crítica e o julgamento são severos e logo se constrói um entendimento de que é melhor calar, obedecer, entrar no molde da "religiosidade", do sistema para não sofrer pena maior e ser rotulado, disso ou daquilo, porque "crescer" ou reconhecer um estado de cuidado maior é aos olhos de muitos, uma determinação, um atestado de "incapacidade" para sempre. Falo isso de um modo geral, pois sei que tem igrejas que encaram com responsabilidade, seriedade e respeito o sofrimento de seus fiéis, sem preconceito.
Ah queridos, sou parte dessa Igreja também, sei do que estou falando, e me dói ver meus irmãos sem espaço, num lugar que deveria ser para os doentes de modo geral, um lugar que deveria ser seguro para o desabafo, o conselho, a ajuda, e o suporte nas crises existenciais também. Irmãos, uma Igreja sarada é uma Igreja forte, mas enquanto como Igreja negligenciarmos e não lidarmos com as nossas necessidades, e fraquezas, seremos uma Igreja fraca, adoecida, desvitalizada. O Senhor sempre quer nos levar a cura, e a "verdade que liberta", e infelizmente a negação não nos permite chegar a verdade, pois é um tipo de farsa aprisionante, assombrada e nutrida pelo medo do auto conhecimento.
A religiosidade, a ignorância, tem adoecido muitas pessoas na Igreja.
Agora, crente é gente, e assim como adoece o corpo, adoece também a mente. É certo que Deus tem propósito em tudo, e pode usar de uma "fraqueza", de um problema, para curar, e abençoar outros na mesma situação, "pois é com a mesma consolação que fomos consolados, que consolaremos". Suas cicatrizes, meu irmão (a) curarão a outros, creia.
É tempo de refletirmos sobre o que estamos fazendo com nosso corpo e alma. É tempo de enxergamos, junto com o Espírito Santo, que de fato, sentimos, queremos, pensamos, vivemos, "doemos", desejamos. É hora de quebrarmos esse preconceito gritante no seio da Igreja,  em relação a ajuda, pois esta, poderá vir de uma outra forma, que não só a espiritual. Jesus quer nos sarar, quer nos consolar, agora o como é de escolha dEle, Ele é soberano! E sinceramente, eu creio, que o Senhor não limita sua forma de agir, de abençoar seu povo, nós é que o fazemos, nós é que somos reducionistas em nossa percepção de Deus.
A Igreja pode ser, e deve ser um instrumento valioso no processo de ajuda, de recuperação de uma pessoa deprimida, ansiosa, mas precisa olhar para essa necessidade e demanda, com coragem, abrindo-se para outras possibilidades do agir de Deus, e a ajuda profissional  é uma delas.
 A alienação adoece e distorce a nossa imagem e semelhança de Deus, ficamos como deformados, vivendo de aparências.  Conheci pessoas que no começo da jornada, eram  tão cheias de energia, vivas, corajosas, cheias de espontaneidade, autenticidade, de personalidades marcantes, e que no processo dessa caminhada, sucumbiram  alienaram-se pelo medo da crítica e foram se tornando uma "imagem" desejada pelo outro, pela religião, só não a Imagem de Deus. Essa negação adoece, deprime, e desencadeia transtornos. Os quadros e crises tendem a se agravar quando se demora a aceitar a ajuda além do espiritual.
Ser cristãos não nos imuniza das doenças psíquicas. Podemos adoecer, falhar, como todo mundo, mas temos a garantia, não de cura, mas de um Deus perto, o Emanuel, o Deus está conosco em todos os momentos. Devemos prosseguir, e  contar com ajuda que o Pai enviar. E sabe o que pode acontecer? Podemos nos surpreender com a melhora, porque a ajuda pode ser eficaz, como foi comigo. E tudo que é bom volta para Deus, porque tudo vem dele mesmo. 
Tive uma experiência no consultório que me indignou bastante. Resguardadas as fontes, certo paciente adolescente brilhante, criativo, comprometido com sua Igreja, com Deus, mas que não obstante tudo isso entrou em depressão. Chegou com esse quadro, um humor muito oscilante, em crise severa, e veio para avaliação e acompanhamento. Nunca tinha buscado esse tipo de ajuda, embora desde pré adolescente já tivesse crises, acessos de raiva, fúria,  machucava-se fisicamente, enfim... Bem, fiz a avaliação dele e percebi a gravidade do caso. Comuniquei a mãe  que o paciente precisava de acompanhamento sério. A mãe cristã, o paciente também. Bem, o contrato foi feito. Duas semanas depois a mãe falta a sessão e avisa que não iria mais precisar porque o líder espiritual orou com o jovem e lhe disse que o paciente não precisava de Psicólogo, ele precisava era sair de casa. Confesso que senti certa indignação naquele momento, mas segurei. Ora o paciente precisava sair sim, viver, mas como, se não estava conseguindo? Ele precisava de ajuda para sair do quadro depressivo primeiramente. Então, por mais que o líder espiritual quisesse ajudá-lo não conseguiu, pois não era tão simples assim.
Queridos, uma pessoa deprimida não consegue sair desse estado, dependendo do nível de depressão que esteja, só porque é o certo a fazer. Não funciona assim!
-Bem, disse ok para mãe, mas fiz as ressalvas quanto ao quadro que observei e pedi que repensasse. Nesse momento, como profissionais, ficamos impotentes, pois não podemos escolher pelos nossos pacientes, não podemos desejar por eles.
Bem, logo na outra semana, a mãe me ligou chorando, desesperada, dizendo que o paciente, seu filho, estava muito mal. Tinha chamado alguns irmãos desconhecidos para orarem por ele (que fique claro que o problema não foi a oração, mas o ter negado a ajuda profissional) e segundo relato do próprio paciente, logo em seguida teve a pior das crises. Piorou muito, não comia, não saía de casa, tinha crises de raiva, além de ter sido muito exposto, sem consentimento... Assim a mãe resolveu trazer o filho de volta ao atendimento. Começamos o trabalho, e o quadro estava se estabilizando, quando a mãe novamente ansiosa para ver o filho bem, resolveu repetir o mesmo equívoco, sem o consetimento do envolvido. Depois desse episódio orientei a mãe que esperasse uma melhora do quadro psicológico primeiro, antes de outra exposição espiritual.
Queridos, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. Nem sempre está tudo alinhado, precisamos de sabedoria e discernimento.
Hoje esse paciente está estabilizado, saindo da depressão, desejando viver, com energia, sonhos, aceitando seu processo na terapia, sem medo de sair de casa, resignificando sua fé. A experiência ruim ficou para trás, mas gerou traumas. Há tempo para tudo e lugar para tudo. Sei que a mãe estava bem intencionada, mas apostava tudo apenas no espiritual, e há momentos que Deus quer usar profissionais, e isso também é bom. E por que é tão difícil aceitar isso no corpo de Cristo, porque tal negação, como se isso desqualificasse o agir de Deus. Deus tá nisso também!
Vemos na Bíblia e nos relatos bíblicos que um princípio elementar para a cura divina era o reconhecimento do enfermo de que precisava de ajuda. Jesus esperava que voluntariamente mostrassem suas necessidades. Jesus não está fisicamente conosco, hoje, mas age pelo seu Espírito, por meio da Igreja, de pessoas, de profissionais. Em Tiago 5.16 "confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes sarados"... É bíblico, é um princípio que deve ser observado. As pessoas buscavam ajuda, expunham-se, mesmo diante de uma multidão porque queriam sarar. Contudo, devo dizer que eram poucos os corajosos naquela época. E hoje, também! As pessoas escondem até de Deus que adoecem, que precisam de cuidados. Agora, digam-me: não foi assim com a mulher hemorrágica? Com o cego de Jericó? Com o homem da mão ressequida? Com Davi, Paulo, Pedro etc. todos mostravam onde doía, onde eram fracos, e buscavam ajuda, reconheciam que sozinhos não conseguiriam superar, avançar, melhorar?
Vejam: aonde o poder de Deus se aperfeiçoa? Na fraqueza! Então significa que podemos mostrá-las, expressá-las para pessoas de confiança. Irmãos, "o Senhor conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó", vasos de barro, mesmo. Ele não espera perfeitos, espera que sejamos humildes, que reconheçamos nossas carências e contemos com sua graça, e ela pode se apresentar de várias maneiras, até numa ajuda Psicológica, Psiquiátrica, por que não?

Continua...
Oro para que isso sirva de encorajamento, para você, que lê este post. Decida se ajudar. Saia do conformismo, da alienação de si e você verá o poder de Deus se aperfeiçoando e viverá mais saudável e mais satisfeito na caminhada com Deus.
No amor de Cristo, Ara Brandes
Leia tb http://www.arabrandes-restaurando.blogspot.com.br/2011/11/o-desafio-do-contato.html

No próximo post falarei sobre a depressão na perspectiva bíblica.

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